Na última quinta-feira (25/01) a Gol entrou com um pedido de recuperação judicial nos Estado Unidos, na tentativa de aliviar uma dívida que já totaliza mais de 20 bilhões de reais. Apesar de ser algo "comum" no setor de aviação, a notícia provocou um certo receio nos viajantes de passagens compradas, assim como nos investidores da bolsa de valores que possuem ações da empresa. A Gol se posicionou afirmando que o pedido de recuperação é "apenas para fortalecer a posição financeira da empresa" e que todas as operações continuarão funcionando exatamente como estavam.
Nesse post, iremos explicar detalhadamente o que está acontecendo com a companhia e se é necessário se preocupar e trocar suas passagens.
O que é um pedido de recuperação judicial?
Normalmente o que leva uma empresa a entrar com um pedido de recuperação judicial é sua insolvência, ou seja, é quando a empresa não tem dinheiro para pagar todas as suas dívidas e fornecedores. O cenário das negociações com credores que seguem um pedido de recuperação é, de um lado, os credores querendo que as dívidas sejam pagas imediata e integralmente, e do outro, a empresa tentando negociar o máximo de descontos e parcelamentos que pode. Em alguns casos, as partes conseguem chegar em um acordo, mas, frequentemente, o final é trágico e a empresa precisa vender todos os seus bens, ativos, imoveis e produtos para liquidar o que puder das dívidas e então encerrar suas operações.
Entretanto, o setor de aviação no Brasil tem algumas peculiaridades. Como comentamos aqui em outro post, empresas desse setor são "criadas para dar prejuízo". Mas como toda a logística do país, a movimentação das pessoas e o turismo depende de poucas empresas, é muito difícil que o governo deixe que elas quebrem.
Normalmente, essas empresas "rolam" suas dívidas indefinidamente. Com a ajuda de incentivos governamentais, investimentos externos e estratégias mirabolantes, as empresas conseguem manter o mínimo de caixa necessário para a empresa sobreviver, enquanto dividas monstruosas se acumulam.
Qual a situação da Gol?
Apesar do CEO da empresa, Ceslo Ferrer, ter declarado que o pedido de recuperação é apenas para ajustar e fortalecer a "estrutura de capital" da empresa, a situação não nada boa. A empresa acumulou um passivo (dívidas) de mais de 20 bilhões de reais nos últimos anos, composto principalmente de empréstimos, financiamentos e divida com arrendadores de aeronaves (leasing).
Desde 2018 faz parte da estratégia da empresa "financiar" aeronaves em vez de comprá-las, pois é mais fácil expandir a frota de aviões assim do que esperando que a empresa tenha no caixa o dinheiro necessário para comprar as aeronaves. E se tratando de setor de aviação, as empresas nunca tem dinheiro em caixa. Além disso, o leasing de aeronaves tem alguns benefícios financeiros e tributários, que estimulam essa prática nas empresas do setor.
Mas 20 bilhões pode não ser muito, dependendo da capacidade financeira da empresa, certo?
E aí que precisamos olhar com mais atenção. Comparando as dívidas e obrigações da GOL (seus passivos) com seus bens, seu caixa e seus recebimentos (seus ativos), podemos observar que a empresa opera com uma liquidez de 44%, ou seja, se a empresa usar todo o dinheiro que tem, receber tudo que tem para receber e vender todos os seus aviões, imoveis, maquinas, veículos, equipamentos e bens intangíveis (marcas e patentes), a empresa não consegue pagar nem metade de todas as suas dívidas.
Nesses momentos é que uma recuperação judicial vem a calhar, para pedir paciência e compreensão dos credores até que a empresa se recupere.
Por que o pedido foi feito nos Estados Unidos?
A recuperação judicial norte-americana (Chapter 11) tem algumas vantagens sobre o processo brasileiro. Além de algumas condições específicas, como a priorização dos credores antes dos acionistas e uma menor "judicialização" do processo, o que o torna mais rápido, o governo americano também oferece um apoio financeiro a empresa em recuperação, com intuito de ajudar nas negociações e na reestruturação da empresa. No caso da GOL, o governo americano "auxiliará" com 915 milhões de dólares (quase 5 bilhões de reais).
A GOL vai se recuperar?
Por mais preocupante que seja a situação da empresa, é difícil que uma empresa que possui 33% de participação no mercado de aviação brasileiro quebre. É de interesse geral que as operações da companhia continuem funcionando normalmente e diversas são as alternativas para evitar um desastre irreversível.
A LATAM, por exemplo, entrou com um pedido de recuperação (também nos EUA) em maio de 2020 e acabou se recuperando, finalizando o processo em novembro de 2022. Chegando a acumular um prejuízo de mais de 50 bilhões de reais, a LATAM vem apresentando lucros desde o último trimestre de 2022.
Todavia, mesmo tendo "só" 25 bilhões de prejuízo acumulado, a GOL vem apresentando resultados inconsistentes, mesmo 3 anos após a pandemia. Além disso, o menor nível de liquidez atingido pela LATAM foi de apenas 62% (ativos representam 62% da dívida), nunca tendo atingido uma liquidez menor do que 100% antes da pandemia. A LATAM foi rápida em solicitar um processo de recuperação imediatamente após o início da pandemia, o que foi essencial para uma recuperação bem sucedida.
Em contrapartida, a GOL trabalha com índices baixos de liquidez desde 2015 (e ainda piores depois da pandemia), o que pode representar um problema mais grave do que o da concorrente.
Mas ter uma concorrente forte e saudável no setor pode ser uma boa notícia, pelo menos para os clientes da GOL, pois em caso de falência da empresa, a LATAM é uma companhia forte o suficiente para assumir as operações da rival, sem deixar que clientes e empregados sofram com a quebra da empresa.
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