Um dos temas mais noticiados nas últimas semanas foi sem dúvida a imposição do teto de ICMS sobre combustíveis em postos de gasolina (e as diferentes reações dos governos dos estados). Por ser um tema complexo que envolve não só politica pública, mas economia e tributação, acreditamos que algumas explicações são necessárias antes de nos posicionarmos ideologicamente sobre o tema, então vamos por partes.
O que é o ICMS?
ICMS é a sigla para Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, um tributo estadual que incide sobre produtos de diferentes tipos, desde eletrodomésticos a chicletes. O ICMS incide quando um produto ou serviço tributável circula entre cidades e estados, ou de pessoas jurídicas para pessoas físicas, e é aplicado tanto em produtos comercializados no Brasil como em bens importados.
É um tributo fundamental para a receita dos estados e municípios, pois o valor arrecadado é investido em serviços essenciais, como: segurança, saúde, educação e custeio da máquina pública. Só no estado de São Paulo, em 2019, o valor total arrecadado de ICMS chegou a R$144 bilhões.
Sua regulamentação depende de cada Estado, por se tratar de um imposto estadual. Podemos ter alíquotas de ICMS diferentes atuando em uma operação interestadual, portanto, as empresas que comercializam para fora de seus estados de origem, devem ficar atentas a isso. A porcentagem de imposto efetiva que incide sobre os produtos pode chegar a 30% do valor do produto.
Como é formado o preço da gasolina?
A gasolina é um dos produtos do craqueamento do petróleo. Seu custo ao consumidor final depende de vários fatores, como podemos observar no infográfico abaixo:
Quase 40% do preço do produto é repassado para a Petrobras, responsável pela distribuição do petróleo no país. O valor desse repasse é completamente controlado pelo estado, pois a Petrobras é a única empresa com direito de comprar e vender petróleo refinado no Brasil. A ANP, Agência Nacional de Petróleo é o órgão que fiscaliza esse tipo de operação e garante a manutenção do monopólio da Petrobras. Sem concorrência, a empresa pode vender o produto no preço que bem entender. Contudo, esse valor varia de acordo com dois fatores: O preço do barril do petróleo mundial e o valor do dólar.
Isso mesmo, o preço da gasolina depende do preço do dólar, pois o Brasil não produz o tipo de petróleo utilizado na obtenção da gasolina. O óleo proveniente do Pre-sal, famosa super reserva brasileira, é muito bruto, denso, sendo mais utilizado para produção de asfalto ou derivados mais "grossos". A maior parte do petróleo utilizado pelas refinarias brasileiras para a obtenção de combustíveis veiculares é comprada de fora.
A segunda maior parcela do preço do combustível é o imposto estadual. Quando a Petrobras vende o petróleo refinado para distribuidoras e revendedoras no Brasil (como a Shell ou a Ipiranga), aí é que entra o ICMS. Os estados e municípios em que as revendedoras estão localizadas cobra quase 25% de imposto para que a mercadoria possa circular.
Em cima disso, as distribuidoras colocam suas margens de lucro para repassar para os postos de gasolina (e financiar a própria operação), assim como os postos também colocam a sua margem. Esse custo da operação de distribuição e revenda compõe cerca de 15% do preço final.
A gasolina é então misturada com álcool anidro no posto, o que também custa dinheiro. E ainda incidem alguns impostos federais sobre o produto quando vendido ao consumidor final, mas que não passam de 10% do valor final.
Porque o preço da gasolina subiu tanto nos últimos anos?
Como explicamos, o principal lastro do preço da gasolina é o preço do barril de petróleo e o preço do dólar. Quando o preço do barril sobe, a gasolina sobe. Quando o dólar sobe, a gasolina também sobe. Antes de 2015, essa política de reajustes de preços baseada na variação do preço externo não existia, e quem controlava os preços de distribuição da gasolina era o próprio governo. Por vezes o cidadão saia ganhando, pois o governo "segurava" os preços do litro para conter a inflação, mas quem perdia era a Petrobras, que teve enormes rombos abertos em seu caixa, tento que recorrer às próprias contas públicas para superar o deficit. A população acabava economizando na gasolina mas pagava mais impostos.
A seguir, temos o preço do barril de petróleo já convertido em reais dos últimos 5 anos.
Podemos notar uma queda abrupta nos preços do petróleo entre dezembro de 2019 e junho de 2020. Isso ocorreu por conta do início da pandemia de Covid 19, que fez com que as pessoas interrompessem o uso de veículos por um certo período, reduzindo a demanda por gasolina, jogando os preços do barril de petróleo la embaixo.
Com isso, muitas empresas, postos e refinarias fecham as portas por dificuldades financeiras, a produção de petróleo reduz, e os preços voltam a subir. O problema foi que eles não pararam mais.
O retorno da demanda por combustíveis, plásticos e outros refinados de petróleo fez com que os preços continuassem subindo, sem que o mercado conseguisse produzir material suficiente para suprir a demanda. Inflação e juros subindo no mundo todo mantiveram os custos de extração altos, fazendo com que continuassem a aumentar o preço dos barris. E seguimos nesse ciclo sem fim.
Fora isso, a moeda brasileira que já havia se desvalorizado com a pandemia, continuou em baixa devido tanto a recessão causada pela pandeia quanto pelo interesse do governo em manter o dólar alto (pelos benefícios que traz para o agronegócio, por exemplo).
Para fechar com chave de ouro, é deflagrada a guerra entre Rússia e Ucrânia. As principais economias param de comprar petróleo russo, o que fez com que a oferta de barris caísse muito, aumentando o preço do óleo no mundo todo.
Com isso, tivemos uma "tímida" valorização de mais de 400% do preço da matéria-prima da gasolina.
E como isso afeta os estados?
Como o restante dos componentes do preço da gasolina são percentuais, eles dependem diretamente do custo da matéria-prima. Se a matéria-prima custa 100, e o estado cobra 25% de imposto, ele ganha 25. Se a matéria-prima passa a custar 200, o estado continua cobrando 25%, mas ganha 50 nesse caso. Então a alta do petróleo foi extremamente benéfica para os estados.
Como podemos observar no gráfico abaixo, a arrecadação de ICMS pelos estados aumentou exatamente na proporção com que os preços do barril de petróleo subiram.
Em resumo, os estados estavam arrecadando quase o dobro de impostos sem mexer um músculo. E é claro que ninguém estava disposto a perder essa vantagem.
O que é o teto do ICMS?
Em uma tentativa de conter o aumento descontrolado nos preços da gasolina, o governo federal optou por definir um valor máximo (um teto) que pode ser cobrado pelos estados na incidência do ICMS. O valor que antes chegava a quase 30% para alguns produtos foi fixado em 17% para alguns produtos, entre eles a gasolina.
A redução, além de gerar uma redução direta de quase 60 centavos no preço do litro, gera um efeito cascata em que o valor que vai para a distribuidora também diminui, para o posto também, e o preço final do produto acaba tendo uma redução bem mais expressiva.
Junto com a PEC emergencial de benefícios, essa medida foi uma estratégia populista do governo federal, que busca mostrar resultados rápidos e palpáveis à população em ano de eleição. A orientação do presidente de mostrar os valores "de antes e depois" dos preços da gasolina frente ao teto do ICMS é apenas uma forma de evidenciar essa "conquista".
Porque muitos estados não apoiaram a medida?
Quem saiu "perdendo" nessa foram os governos dos estados, pois se o ICMS é cordado de 25% para 17%, a receita do estado cai na mesma proporção. Mas o argumento do governo federal foi que não haveria nenhum prejuízo para os estados, pois os valores de arrecadação de ICMS apenas voltariam para os níveis que tinham antes da pandemia, níveis "normais". Ou seja, se o orçamento dos estados fossem os mesmos de antes, teoricamente não haveria danos.
Contudo, a realidade do sistema brasileiro dita que, assim que um centavo a mais é arrecadado pelo governo, isso já é convertido em benefício para alguém. E quando o governo federal pede para que os governadores abram mão desses benefícios, a tendência é que todos sejam contra. Foi exatamente o que vimos acontecer nos últimos meses.
E pra piorar, quando a medida foi aprovada e os governadores foram obrigados a aplicar as reduções no imposto, muitos disseram que foi por conta do "apoio deles" que o preço da gasolina havia baixado e que a população deveria reconhecer isso como mérito dos próprios estados e seus governadores.
Conclusão
Por mais que tenha sido uma medida claramente populista adotada pelo governo, foi uma atitude muito arriscada - por confrontar a opinião de diversos governadores, correndo o risco de perder apoio político - e também muito ágil, pois no fim das contas conseguiu conter o aumento absurdo do preço da gasolina e o litro realmente ficou mais barato.
O cidadão comum, que não pode fazer muita coisa a respeito de toda essa confusão do sistema político e econômico brasileiro, pelo menos ficou com o benefício de gastar um pouquinho menos do que já está gastando para conseguir ir para o trabalho e fazer a sua parte. No meio de tantas derrotas, uma vitória ser tem que ser valorizada (e aproveitada).
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