top of page

Estudo de Caso: Rombo de R$20bi da Americanas

Atualizado: 3 de fev. de 2023

Na última semana, um dos assuntos que mais repercutiu nas redes sociais, no mercado financeiro e nos canais de notícias foi o "rombo" de 20 bilhões de reais encontrados nos balanços das Lojas Americanas. A notícia provocou um alvoroço que levou as ações da empresa a caírem até 90%, além da renúncia do presidente da companhia, Sergio Rial, e do CFO Andre Covre.




Mas o que realmente aconteceu e do que se trata o "rombo" é o que iremos tentar explicar da forma mais simples e sucinta possível nesse post.


De onde vem os R$ 20 bilhões?

Para entendermos de onde vem o rombo do balanço das Americanas, precisamos entender primeiro o que é o Risco Sacado.

Risco sacado é uma operação onde a empresa que esta vendendo os produtos, ou seja, a varejista, empresta dinheiro do banco para pagar fornecedores. A primeira vista, não parece uma decisão inteligente, mas essa operação pode oferecer certos benefícios para a empresa e para seus fornecedores:

  • O fornecedor recebe o dinheiro da venda de seus produtos em um prazo menor, o que é bom para o seu caixa.

  • A loja consegue negociar valores melhores para os produtos comprados, por conseguir pagar o fornecedor em um prazo menor. Isso, teoricamente, reduz o custo final do produto, aumentando sua margem.

  • A loja consegue usufruir dos benefícios acima enquanto alivia seu caixa, pois o prazo para pagar o banco é muito maior.

A desvantagem é que, para ter esses benefícios, a empresa fica mais endividada e acaba pagando juros. No fim das contas, ela acaba pagando mais para ter benefícios mais imediatos. É como comprar algo no cartão de crédito e parcelar a fatura do cartão: o vendedor recebe na hora, você tem mais tempo para pagar, mas paga mais caro devido aos juros do cartão.


Entendido o que é o Risco Sacado, agora vamos tentar entender como isso é declarado em um balanço contábil.

Tudo que a empresa compra de fornecedores sai de uma conta chamada "fornecedores". No final das contas, isso representa um custo da empresa, algo diretamente relacionado a margem da companhia. Quando o risco sacado é utilizado, a empresa pode registrar a operação contabilmente de duas formas: 1) Considerar que o fornecedor foi pago, e que o que restou foi um empréstimo com juros, ou seja, uma despesa financeira ou 2) Considerar que o valor emprestado do banco, mais os juros, sejam o novo valor "devido" aos fornecedores. Em ambos os casos, o resultado líquido da empresa é impactado, pois esses juros representam um gasto adicional.


O erro da contabilidade da Americanas foi abater esses juros e despesas financeiras da conta fornecedores, em vez de adicioná-los. Então, além da empresa dizer aos acionistas que o custo do produto havia reduzido pelas melhores negociações com fornecedores (através do risco sacado), a empresa também considerava que os juros e despesas financeiras obtidas através da operação reduziam o custo dos produtos em vez de aumentá-los.

Para facilitar o entendimento, vamos propor um exemplo:

Imaginemos que as lojas americanas compram um caderno por 50 reais e vendem por 100. Para comprar mil cadernos, a empresa deveria pagar 50.000 reais ao fornecedor. Em vez disso, ela negocia um desconto de 10% com o fornecedor, pagando 45.000 pelos mil cadernos. Para pagar o fornecedor, ela empresta 45.000 reais do banco. Nesse momento, o custo unitário de cada caderno é 45 reais, certo?

Contudo, o empréstimo do banco tem um juro de 20%, então, quando terminar de pagar o empréstimo, a empresa terá pago um total de 54.000 reais ao banco. (45.000 do empréstimo + 9.000 de juros). Então o custo real do produto foi de 54 reais.

O que as Americanas fizeram foi, além de dizer que o custo do produto era de 45 reais, que, na verdade, seu custo real era de 36 reais, pois estavam descontando os juros em vez de adicioná-los. (45.000 - 9.000 = 36.000 e 36.000/1000 = 36,00 por caderno).


A estimativa é que tal equivoco, acumulado ao longo dos últimos anos, tenha gerado um valor não considerado nos balanços da ordem de 20 bilhões de reais. Mas ainda é uma estimativa.


Qual o impacto disso para a companhia?

Além dos impactos imediatos na reputação da empresa, que fizeram o preço de suas ações caírem 90% no dia em que foi anunciado o fato, o principal impacto é na liquidez da empresa.

O valor de uma empresa é essencialmente definido pelo valor de seu patrimonio líquido. Falando em um bom contabilês, o patrimonio líquido é a diferença entre o ativo e o passivo da empresa. Em tradução livre, isso quer dizer que o valor da empresa é igual ao que a empresa tem (os ativos: imoveis, estoque, caixa...) menos o quanto a empresa deve (os passivos: dívidas, fornecedores...). O entendimento fica mais claro se pensarmos se a empresa vendesse tudo que possui (seus ativos), teria dinheiro suficiente para pagar tudo o que deve. O que sobra dessa conta é o patrimonio líquido da empresa.

Você, por exemplo, acredita que o valor de seus bens (roupas, joias, equipamentos), se vendidos, seriam suficientes para pagar suas dívidas (cartão de crédito, aluguel...)? Se a resposta for sim, significa que você tem liquidez e seu patrimônio líquido é positivo.




Quando uma empresa é considerada sem liquidez, isso significa que está quebrada, falida, ou pelo menos perto de falir. E esse é o caso das Lojas Americanas, caso a estimativa de 20 bi estiver correta. Em setembro de 2022, o patrimonio liquido da empresa foi avaliado em torno de 15 bi. Seus ativos foram avaliados em 47 bi e seu passivo, 32 bi. Contudo, com os 20 bi a mais no passivo da empresa, totalizando 52 bi, a empresa ficaria com um patrimonio liquido negativo de -5 bi.



Essa conta determina não só que a empresa é insolvente, ou seja, está quebrada, mas também gera dois movimentos: 1) a saída de acionistas, fazendo o valor do patrimonio líquido cair ainda mais e 2) que os credores (bancos) exijam o pagamento das dívidas de forma imediata, o que piora ainda mais a situação da empresa, pois afeta diretamente seu caixa.


Próximos episódios

A decisão mais imediata das lojas americanas foi solicitar uma medida judicial que impedisse os credores de cobrar suas dívidas pelos próximos 30 dias. Então, o banco de investimentos controlado pela família Rotschild assumiu as negociações das dívidas. Ambas as medidas são para que a empresa consiga planejar e negociar suas dívidas com credores sem precisar declarar falência.

Uma das opções que se especula é que a empresa entre com pedido de recuperação judicial. A recuperação judicial permite que a empresa negocie com fornecedores e credores de forma mais organizada e com mais tempo.

A outra opção é o aporte de mais capital dos maiores acionistas da empresa, o grupo 3G, formado pelos mega investidores Marcel Telles, Beto Sicupira e Jorge Paulo Lemann, três dos homens mais ricos do país.

Entretanto, além de precisar enfrentar o problema financeiro que a situação causou, a empresa também passará por investigações criminais, para avaliar se o que houve foi fraude ou apenas um equívoco na apuração dos resultados. A bomba pode estourar tanto para o lado dos administradores da empresa, quando da empresa responsável pela auditoria obrigatória dos balanços das Americanas, a PwC, que não comentou sobre o caso até o momento.


Conclusão

A mensagem mais importante de toda essa história é perceber que o valor da empresa e sua saúde financeira não são definidos apenas pelo dinheiro que há em caixa. Daí vem a importância do balanço patrimonial e dos relatórios contábeis.

Mas a real moral de toda essa confusão é como é importante ter um contador de qualidade, um profissional contábil ou uma equipe contábil que entenda o que está fazendo, que saiba de onde vem e para onde vão os números, que seja crítica e ativa no processo de apuração dos resultados da empresa, para evitar que esse tipo de catástrofe aconteça, onde um simples erro de sinal (trocar o + pelo -) leva uma empresa gigantesca à falência da noite para o dia.




60 visualizações0 comentário
bottom of page