No mês de agosto de 2021 o Brasil teve sancionada a Lei nº 14.193/2021– “Lei do Clube Empresa” que permite aos clubes a conversão para Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Em resumo a lei permite que clubes de futebol, que até o momento eram entidades sem fins lucrativos categorizadas como associações, possam receber investimento externo através da aquisição de cotas do clube, assim como na aquisição de uma empresa.
A lei proporciona alguns benefícios para os clubes, como a possibilidade de levantar capital para quitação de dívidas. O Corinthians, por exemplo, tem uma dívida acumulada de quase 1 bilhão de reais, que aumenta 100 milhões a cada ano que passa. Sendo um time que fatura cerca de 500 milhões ao ano, o clube não consegue quitar a dívida nem se cortar todas as suas despesas (como salário de jogadores e dirigentes).
Com a lei da SAF, se torna possível que investidores externos assumam essa dívida e injetem capital no crescimento do clube. Clubes como Vasco, Botafogo e Cruzeiro já embarcaram em estratégias nessa linha. Um dos investidores do Cruzeiro, por exemplo, é o famoso ex-jogador da seleção brasileira Ronaldo "Fenômeno".
Mas o que mais muda com a lei da SAF?
Na teoria, surgiram alguns direitos e também alguns deveres novos para os responsáveis pela direção dos clubes. As equipes tem direito de permanecerem como associações, para usufruir de alguns benefícios jurídicos e fiscais, como condições mais brandas para a quitação de dívidas, e podem abrir somente parte do capital para investimento externo. O capital levantado pode, então, ser usado tanto na quitação das dívidas como em investimentos no futuro do clube. Além disso, como empresa, os times passam a ter maior compromisso com seus donos, como uma governança mais estruturada, dados mais transparentes e uma gestão mais eficiente.
Quais as críticas ao novo modelo?
A maioria das críticas a nova lei leva bastante em conta a índole dos investidores que podem vir a controlar o clube. Pois, como investidor, a motivação para a aquisição do clube passa a ser o retorno financeiro, acima da paixão pelo clube e pelo esporte. E isso pode levar o clube a seguir um rumo diferente do que a torcida considera melhor para o próprio time.
A gestão do Athlético (ex Atlético Paranaense) é um exemplo desse desequilíbrio entre a "vontade da torcida" e a "eficiência econômica" de um clube. Mesmo antes da promulgação da lei do clube empresa, a diretoria do clube já vinha adotando estratégicas voltadas ao desempenho financeiro da equipe. Houve um rebranding total, com direito a mudança de nome, logo, uniforme dos jogadores e até dos mascotes do time. Houve mudanças na política de associação e aquisição de ingressos, o estádio do clube foi reconstruído e a contratação e de jogadores e técnicos passou a ser feita de forma mais estratégica (talvez até política).
A torcida do clube pode não ter ficado muito contente com as mudanças, mas desde a implementação dessa nova "filosofia", o clube já acumulou quase 280 milhões de reais em títulos e premiações, apenas entre 2018 e 2021.
Como funciona no exterior?
A prática de considerar clubes de futebol empresas é bastante comum, inclusive em países onde o futebol tem grande presença cultural, como na Inglaterra, Alemanha, Itália e Espanha. O Paris Saint German, atual time de Neymar Jr, teve a guinada em seu crescimento depois da aquisição de 70% do time por investidores árabes (o fundo qatariano Qatar Investment Authority - QSI) em 2011, e os 30% restantes em março de 2012. Hoje o time é considerado um dos mais valiosos do mundo, mas na época custou cerca de 100 milhões de euros.
Outra crítica a essa forma de negócio são os valores relativamente baixos pelo quais os times podem ser adquiridos. Para termos de comparação, o PSG foi adquirido por 100 milhões em 2011. Em 2018, o clube adquiriu Neymar Jr por 222 milhões!
Mas é importante levar em conta que o investidor geralmente assume as dívidas do clube ao comprá-lo, o que reduz o valor absoluto do investimento.
O fundador da rede de escolas de inglês Wise Up, Flavio Augusto da Silva, também foi um dos empresários que se aventurou na compra de clubes de futebol. Flávio adquiriu o time americano Orlando City por 110 milhões de dólares em 2013 e vendeu o clube a uma família americana em 2021 por cerca de 400 milhões. Considerando que o dólar foi de R$ 2,20 para R$ 5,45 nesse período, o investimento do empresário rendeu por volta de 900%!
Já um exemplo "negativo" dessa prática foi o impacto que a guerra entre a Ucrânia e Rússia gerou no clube Chelsea FC, clube londrino de futebol que pertencia ao magnata russo Roman Abramovich. Por conta da repercussão negativa que o confronto trouxe para o proprietário do clube e pelas consequências econômicas que as sanções contra a Rússia pudessem gerar no caixa da "empresa", Abramovich optou por vender o clube.
Conclusões
Como a lei da SAF é muito recente, ainda não podemos tirar conclusões definitivas da mudança. Entretanto, é plausível pensar na nova lei como uma fonte de esperança para os times brasileiros, onde poderão pagar suas dívidas milionárias e poderão investir nos elencos com mais tranquilidade, além de organizarem sua gestão de forma mais eficiente e menos dependente da política nacional, trazendo mais prazer e orgulho a uns pais com tanta paixão por esse esporte.
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